Recentemente participei de um evento divertidíssimo, o “Festival Viking”, expondo meu “Contos do Machado” e lançando um novo conto em e-book, chamado “O Viking”, que achei que atrairia alguma atenção, dado o título.
Nenhuma pessoa se interessou pelo novo conto. Absolutamente ninguém. Zero pessoas. Já o “Contos do Machado”, que é um livro físico, com uma bela capa, conseguiu alguns novos leitores. Poucos, mas um número diferente de zero. Eu poderia debater o porquê, e até tenho uma boa teoria, que os públicos que consomem livros físicos e digitais são razoavelmente diferentes, mas não é meu ponto aqui. A informação importante aqui é que foram pouquíssimas pessoas que se deram ao trabalho de parar e ver meus livros expostos, e ainda menos os compraram.
O que quero relatar é a experiência de ficar lá, em pé ao lado de uma mesa cheia de livros, vendo as pessoas passarem, olharem para meu cartaz, para mim e meus livros, e seguirem seu caminho. É uma experiência humildificante.
Sim, essa palavra em princípio não existe. Vou abrir um parêntesis para ela, fazendo exatamente o contrário do que ensina a sabedoria dos gurus dos textos de internet. “Fique no seu tema!”, “Seja direto, a atenção das pessoas só dura alguns segundos”. Não, eu vou dar todas as voltas que quiser dar. Bons leitores vão ficar comigo, enquanto tomam um café, conversando com o cônjuge, com mil outras coisas na cabeça, e ainda sim completamente capazes de acompanhar o texto. O dia que eu achar que leitores são galinhas eu paro de escrever e vou vender ovos, o que por sinal é bom negócio ultimamente.
De volta a “humildificante”: Não existe. Não me interessa, deveria existir, precisa existir. Em Inglês existe “humbling”, ação ou processo que torna alguém mais humilde, o que foi exatamente pelo que passei. Não sou o primeiro a clamar por essa palavra, o português Despolariza me antecedeu, com mais coragem, chegando a propor um novo verbete de dicionário. Só que eu e Despolariza discordamos, ele propôs “humildante” (*), que eu inicialmente quis simplesmente adotar, mas não consegui. Não acho a melhor escolha. “Humildante” tem som semelhante a “humilhante”, e é justamente um sentido diferente desse que humildificante precisa ter. Ainda, existe o “edificante”, que as pessoas conhecem bem, e que, em última análise, tem algum paralelo com humildificante. Não posso pretender que eu tenha criado essa palavra, outros já a cogitaram antes. Só não sei se tomaram a decisão de de fato usá-la, de admitir que ela existe, a despeito do dicionário. Eu não tenho dúvida, é humildificante que vou usar, criando um novo cisma. Muito bem, sempre quis criar um. Cá estamos cismados, oh meu caro Despolariza.
Agora que tiramos a palavra do caminho, posso voltar para a coisa em si. A experiência humildificante. Ela ensina, toda experiência ensina, e essa mais do que a média. Parte da imagem popular do escritor, que, para começar, ilude e convida os aspirantes a sê-lo, é aquela figura ou sábia ou enigmática, que pouco se importa com o mundo à sua volta, que com uma benevolência quase arrogante finalmente decide compartilhar sua sabedoria com o público, ávido por ler suas palavras.
Esta imagem é real, e muitos escritores correspondem a ela. Por quê? Porque eles, depois de atingirem o reconhecimento e o sucesso, esqueceram o que são de fato. Eles acreditam nessa imagem. Esqueceram que quem escreve quer ser lido, e por querer ser lido, precisa de seus leitores. A última bolacha do pacote é o que é porque todos querem comê-la. Sem esfomeados revirando pelos armários, a última bolacha do pacote está condenada a reinar entre as migalhas e as formigas.
Não interessa o quão bem você acha que escreve, você, escritor, alguma coisa dos leitores você quer. Seja atenção, seja validação, admiração, ou até mesmo despertar de raiva ou desconforto. É você quem quer, é você quem está pedindo por isso. Quando você escreve, quando coloca seu livro no mundo, está fazendo o mesmo que fiz, com meu livro lá, em cima da mesa, para as pessoas verem, e, num relance casual e desinteressado, julgarem se o querem ou não. Com sucesso ou sem sucesso, ser escritor é sempre isso, é sempre pedir pela atenção do leitor. Eles, os leitores, podem até achar que precisam da sua literatura, e quem sabe em algum momento precisem mesmo. Mas você, escritor, também precisa deles. Sempre.
Escrever tem muitas dimensões. Escrever pode significar empenho, esforço para produzir um bom texto. Pode significar o prazer de produzir boa literatura – é difícil descrever quão boa é a sensação de ler o próprio texto e perceber a qualidade do próprio trabalho. Escrever pode te propiciar uma enorme massagem no ego, quando escutas elogios, sejam eles sinceros ou não (mas os sinceros também vem, e te tocam no fundo da alma). Escrever também pode ser um teste para tua maturidade, quando você precisa lidar com as eventuais críticas.
É fácil se perder em todas essas sensações. É fácil subir num pedestal, soprado por elas.
Mas a escrita ensina. Ensina quem lê, e ensina quem escreve. E, em algum momento, ela vai te propiciar uma experiência humildificante.
(*) É possível, porém, encontrar “humildante” em esparsas referências e usos mundo afora, anteriores ao autor citado.