Aranha

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Há pouco vi uma aranha pequena na superfície da água de uma banheira. Cena estranha, misturando o civilizado e o silvestre (porque selvagem seria demais para uma pequena aranha), misturando mundos que parecem imiscíveis, mas que constantemente se tocam bem em frente à nossa face incrédula, que deveria estar já bem acostumada à sua incapacidade de entender a realidade em volta.

Não está, como bem sabemos.

A pequena aranha negra estava lá, suas oito pernas estendidas, impossivelmente suspensa pela tensão superficial. Quieta, imóvel.

E eu queria esvaziar a banheira. Mas pensei na pobre aranha, não quis condená-la ao implacável vórtice do escoamento, e afogá-la num tenebroso cano de esgoto urbano. A pequena aranha negra merecia melhor sorte.

Pois bem, ela teve. Não foi morta pelo vórtice implacável, afogando-se numa espiral infernal, na escuridão dos tubos humanos. Não, morreu de outra forma (talvez horrível também), provavelmente de inanição, enquanto sustentava-se sobre a finíssima membrana d’água que não a permitia afundar.

Sei disso porque sua imobilidade me fez desconfiar de sua morte pretérita. Agitei de leve a água, esperando por um movimento seu, que não veio. Agitei um pouco mais, e mágica se foi. Rompeu-se a tensão superficial, e a pequena aranha morta afundou sem cerimônias. Não havia mais o que fazer por ela.

Eu abri o tampão, e água começou a se esvair. Horas depois, voltei à banheira. Estava vazia, alguma sujeira no fundo, e para minha surpresa o corpo da pequena aranha não havia sumido pelo ralo, e estava exatamente como eu o vira a primeira vez: as patas esticadas, como um totem de si mesma quando viva. Lá, no fundo sujo de uma banheira vazia.

Ela me valeu um suspiro, mas não o esforço de tirá-la dali. Chegará o momento em que ela irá se misturar aos resíduos domésticos humanos, mas não será agora.

Pois bem, pequena aranha, escapaste, já morta, de mais um destino horrível, pois quando voltei ainda outra vez para contemplar aquele pedaço do mundo que acabou por conter teu corpo, não estavas mais lá. Vi apenas algumas formigas que iam de um lado para o outro, provavelmente responsáveis pelo teu cortejo, muito mais digno do que um pedaço de papel higiênico te envolvendo e te esmagando em direção a um cesto de lixo de banheiro.

O totem de ti mesma será consumido pelas formigas, seguirá o fluxo da vida e da morte, as formigas morrerão também, e mesmo que seus corpos não sejam canibalizados por suas vorazes irmãs, algum outro ser, ainda que microscópico, as devorará. E este ciclo vai seguir, de micro-organismo em micro-organismo, de ser em ser, dos pequenos aos grandes, até, quem sabe, a minha própria boca que, devo te dizer, nunca quis te jantar.

E tu, aranha, fizeste todo o ciclo com o que me pareceu uma tranquilidade de outro mundo. Eu não te vi chapinhar desesperada na banheira, não escutei teus pensamentos em pânico, só te vi lá, impávida e morta, tão impávida quanto te imagino em vida. Quem sabe não foi assim que tudo tenha se passado contigo.

Espero ser um dia tão impávido como tu, aranha morta na banheira.

1 Comentário

  1. Paulo Emílio Ruzzi disse:

    Aranha lembra a sua teia que é uma amadilha de capturar seu alimento!! que por sua vez pode ser um
    mosquito da dengue !!ou aquele pernilongo teimoso que tira o nosso sono e suga nosso sangue!!

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