Artista cão

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Pergunta simples: Quantos “artistas” por aí te causam uma reação de desagrado, te causam algo negativo, ruim, desde a indiferença desdenhosa até a repulsa mais profunda?

Certamente és capaz de pensar em muitos exemplos. Por mais tolerante que sejas, alguns ao menos já cruzaram tua mente.

Seja qual for apito que tocas, sem a menor dúvida tu podes compilar tua lista particular. E podemos deixar até a parte da “repulsa” de fora. É uma palavra forte, que descreve um sentimento tão forte quanto ela. Vá lá saber se a culpa não é tua, se tua repulsa não vem da tua incapacidade de lidar com algum tema sensível. Pelo sim, pelo não, esqueçamos isso. Vamos só falar dos caras que parecem ser uns farsantes, que são uns canastrões, ou meramente ruins. Só eles nos bastam para essa conversa.

Pense então em alguém aí que te parece completamente sem talento, “de baixo nível” ou “vazio”, ou “clichê”. Pode ser qualquer coisa, um ator, um cantor, um pintor, um cidadão ou cidadã que faça stand up comedy. Pensou na figura? Enquadrou bem na tua cabeça? Sentiu bem o desdém (ou a raiva) que tu tens por ela?

Sim? Ótimo. Agora vem a parte divertida. Esta pessoa é um artista. Sim, sem aspas. Foi tu que pensaste nela, não foi? Não foi teu vizinho, não foi o idiota da TV. Tu. E muito provavelmente tu não te lembrou de um pobre desconhecido que está lá se esgoelando para ser notado. Tu pensou em alguém reconhecido, com seu pequeno ou grande exército de fãs. Com seus detratores também, mas eles fazem parte do jogo. Os detratores só existem quando existe o sucesso. São um estranho e inequívoco sintoma do sucesso e do, pasme, reconhecimento. Do reconhecimento que tu mesmo agora deste.

Qual é o ponto? Que para muitas e muitas pessoas, essa figura que apareceu em tua cabeça, e que está te fazendo mal só de pensar nela, é uma artista, sem as aspas e com todas as letras. Talvez até com A maiúsculo. Essas milhares ou milhões de criaturas têm suas emoções, boas ou ruins, tocadas por essa figura. Ela exerce, para tais pessoas, exatamente o que arte e os artistas devem exercer. E como não existem as pessoas “certas”, as pessoas “que contam”, a conversa acabou aqui. Essa criatura que você desdenha é um artista, ponto.

Eu também tenho os meus campeões do desdém e do desprezo. Mas não vou citar nomes, não vou lhes fazer esse favor. E, ademais, o argumento funciona melhor com os desdenhados de cada um. Faça assim, imagine aqui o nome do artista que pensaste: _________

Bem, o que tenho a te dizer é simples. ___________ é tão artista quanto um Michelangelo, quanto um Shakespeare, ou quanto a um Muddy Waters ou um Steve Harris (yeah, viva o Heavy Metal). Sim, é exatamente isso. Não há nenhuma diferença objetiva entre eles.

Isso quer dizer que todos os artistas são iguais? Não. Há muita coisa entre o céu e a terra para diferenciar todas as pessoas pretensamente descritas por essa palavra. Mas… aquela marquinha, aquela etiqueta bonita escrito “artista” que eles e elas estampam no peito, essa é igual para todos. Nesse sentido, sim, são todos iguais: todos tem sua etiqueta.

O que isso quer dizer? Que tu és obrigado a gostar de _________ ? Claro que não. Continue odiando, desdenhando ou desprezando . Eu garanto que vou continuar desdenhando, desprezando e odiando os meus _______s. Mas lembra-te, quando fores escrever Arte com letra maiúscula, quando fores emprestar algo a mais para um Artista, lembra-te que _________ também faz parte do grupo. Lá está ele, sorrindo e olhando direto na tua cara.

Sim, porque Arte com “A maiúsculo” não passa de um subterfúgio para um ou outro achar que pode controlar quem é ou não é artista. É mais fácil dizer que ________ não é Artista do que dizer que _______ não é artista. Arte com A maiúsculo não quer dizer nada. Ou melhor, quer dizer tanto quanto arte, com “a” minúsculo.

Veja, não estou querendo dizer que todos merecem o mesmo julgamento, que todos tem o mesmo valor, ou qualquer idiotice igualitária do tipo. Eu realmente desprezo os meus ________s. Acho que o que eles fazem é um monte de lixo. Atravessaria a rua para não falar com eles se por acaso os encontrasse. Cuspiria no chão à sua passagem, etc e etc. Mas… independente disso, os __________s da vida são todos artistas.

Ah, mas tu podes dizer: para mim, não.

Finalmente, chegamos lá! Se a arte é subjetiva, ser artista também é. Se não há arte absoluta, como pode haver um artista absoluto? E eis que o jogo se inverte! Tu, que estavas incomodado de eu ter atirado em tua cara que uns seres que te parecem completamente insípidos, insossos e, sejamos francos, desprezíveis, esses seres simplesmente podem ostentar essa marca, esse rótulo, esse símbolo de algo elevado, para além do ordinário, para além do sentido da vida e do tempo, agora tu podes negar-lhes tudo isso em suas caras! Ah, eles estavam tão seguros, lá naquele panteão reservado aos seres diferenciados, tocados pela graça das musas, dotados da capacidade de ver aquilo que os mortais não veem, de conversar com entidades que os mortais nem mesmo sabem existir. Tudo isso, tudo isso tu podes negar-lhes na cara: Não és!

Ah, os pobres ________s do mundo. Estavam tão perto… mas nós mostramos para eles. Arrancamos o doce de seus ávidos e gulosos lábios. Não são!

Talvez. Ou talvez a arte seja algo bem diferente do que estamos todos pensando. Talvez sejamos todos como cachorros correndo atrás de um carro que não só não podemos alcançar, mas que definitivamente não podemos entender.


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Maurizio Ruzzi

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